Inteligência Espiritual (SQ) deve ser entendida como uma série de habilidades que podem ser desenvolvidas ao longo do tempo, através de prática. Descrever tais habilidades e como medi-las através da criação de uma linguagem neutra e amigável a todo e qualquer sistema de crenças foi o que fez a autora norte-americana Cindy Wigglesworth em seu livro “SQ21: The Twenty-One Skills of Spiritual Intelligence”, lançado em 2012, ainda inédito no Brasil. Recebi meu exemplar autografado com um gentil agradecimento pelo interesse no assunto, em julho de 2018. Em alguns dias já havia lido tudo, sendo que alguns trechos, mais de uma vez.
Mas que habilidades são essas e de que elas tratam? Como exatamente funciona isso? Inteligência Espiritual tem a ver com religião? Com espiritualidade? No texto Você sabe o que é Inteligência Espiritual? explicito alguns autores que diferenciam SQ de Espiritualidade, e dentre eles, está Cindy Wigglesworth. Ela não só diferencia estes dois conceitos, como conceitua também religião, deixando claro desde o início que o livro não trata de apresentação de práticas religiosas ou proselitismo. Um de seus grandes cuidados foi a utilização de uma linguagem neutra que pudesse ser bem recebida em diversos contextos, inclusive profissionais. E isso foi o que mais me instigou a conhecer o modelo, me aprofundar e obter a certificação.
Assim, as definições dela são as seguintes:
Inteligência Espiritual: “the ability to behave with wisdom and compassion, while maintaining inner and outer peace, regardless of the situation”. [1]
Espiritualidade: “the innate human need to be connected to something larger than ourselves, something we consider to be divine or of exceptional nobility”. [2]
Religião: “a specific set of beliefs and practices, usually based on a sacred text, and represented by a community of people”.[3]
Um dos pontos mais importantes é que o ser humano precisa desenvolver a inteligência espiritual, como faz com qualquer outra de suas inteligências. E isso é possível independentemente de crenças; dentro ou fora de alguma religião. A SQ tende a ser a última das inteligências a ser desenvolvida e na maioria das pessoas está relacionada aos estágios mais maduros de desenvolvimento humano adulto.
Assim como nascemos com as nossas emoções, se não aprendermos a lidar com elas, podemos ter problemas de relacionamento pessoal ou profissional ao longo da vida. Atualmente, o desenvolvimento da Inteligência Emocional (EQ) é amplamente aceito nos meios organizacional e educacional. Ninguém nega que saber nomear as emoções e regulá-las é benéfico, seja no âmbito pessoal, de autoconsciência, ou social e de relacionamentos, principalmente profissionais. Mas não foi sempre assim. Antigamente não se falava nisso. Só se valorizava o QI. Até que se percebeu a existência de determinadas competências em algumas pessoas, que as tornava profissionais excepcionais, e que essas competências não vinham da inteligência lógico-matemática ou linguística, ou seja, do intelecto. Quem nunca lidou com aquela pessoa extremamente inteligente, de QI altíssimo, mas com terrível mau jeito nas relações interpessoais? Pois é. Por isso a importância do desenvolvimento das chamadas competências de Inteligência Emocional.
E as habilidades de Inteligência Espiritual, quais são elas? Como utilizá-las no meio organizacional, de lideranças, de gerenciamento?
Cindy Wigglesworth costuma iniciar sempre perguntando quem são os líderes exemplares que as pessoas mais admiram. Invariavelmente, a lista acaba com os mesmos nomes, independentemente de onde no mundo ela seja feita. A pergunta que vem logo depois é: porque vocês as admiram? O que elas têm que as tornam exemplos a serem seguidos? O que é diferente a respeito delas e que não é só o QI ou a EQ, mas um algo mais? E as respostas também são sempre as mesmas, universalmente. Não importa se quem responde é ateu, judeu, cristão, muçulmano, todo mundo reconhece e admira alguém espiritualmente inteligente. Quem não deseja em sua esfera social ou profissional, lidar com pessoas compreensivas, corajosas, não violentas, inspiradoras, centradas, amáveis, sábias, autênticas, visionárias, humildes, calmas, compassivas? Todos nós queremos tais tipos de pessoas e comportamentos perto de nós. E todos nós podemos também, ser como essas pessoas e nos comportarmos como elas. Bastando para isso trabalhar a SQ. Não se trabalha a inteligência emocional? Pois é possível desenvolver também as habilidades de inteligência espiritual, que segundo o modelo de Wigglesworth, é composto de 21 Skills. O desenvolvimento dessas habilidades resulta em comportamentos sábios e compassivos, mesmo que você esteja numa situação de profundo estresse ou dificuldade. E é possível fazer isso mantendo a paz interior. Exatamente como a definição criada por ela do início do texto. É fácil? Não. Mas é possível e é algo a ser buscado.
No contexto corporativo, quando se fala em liderança ou gerenciamento, é comum associar às competências dos líderes e gerentes de projeto habilidades de inteligência emocional. Entretanto, não se fala muito ainda em inteligência espiritual e entender as razões disso é parte da pesquisa maior que desenvolvo. Apesar de hoje em dia se tocar em determinados aspectos cruciais para uma boa liderança, muitos termos que são utilizados como que derivando do lado emocional são na realidade oriundos de habilidades específicas da esfera da inteligência espiritual. Se a competência vem do âmbito da SQ, porque não declarar abertamente? Alguns dos resultados que se pode atingir a partir do aprendizado e do desenvolvimento das habilidades de EQ e SQ são bastante conhecidos: líderes e equipes se tornam melhores como profissionais e como pessoas; aprendem a tomar decisões mais acertadas; ficam mais abertos a mudanças e a aprendizados em geral, mais felizes, menos estressados; desenvolvem complexidade de raciocínio, conseguem ver mais sentido no sofrimento e, portanto, encaram períodos de dificuldade e mudanças com mais serenidade e equilíbrio; conseguem ter clareza em relação a sua missão e ao seu propósito de vida. Importante apontar que para um bom desenvolvimento de SQ, algumas competências de EQ são necessárias. E níveis mais altos de SQ em determinadas habilidades ajudam muito no desenvolvimento de competências de EQ, ou seja, as duas inteligências, apesar de independentes, podem trabalhar juntas e alimentar uma a outra.
O modelo conceitual desenvolvido por Cindy Wigglesworth tem 4 quadrantes e cada um trata de um campo específico: o primeiro é o quadrante da autoconsciência e tem 5 habilidades; o segundo é o quadrante da consciência universal, com 6 habilidades; o terceiro, o quadrante da profunda autoconsciência com 5 habilidades; e o quarto, o quadrante da profunda consciência social e da presença espiritual, também com 5 habilidades. Os dois primeiros quadrantes se referem aos aspectos interiores, enquanto os dois últimos, a como o mundo exterior enxerga você. O livro explica a relação entre os quadrantes e descreve as habilidades, trazendo exemplos dos diferentes níveis que se pode atingir no desenvolvimento da SQ, entre outras coisas.
Em um TED Talk de 2014 intitulado “The Roadmap to Nobility”, a autora fala do tema e apresenta o modelo, trazendo especificamente a Skill 5: “Awareness of Ego self / Higher Self”[4], que trata da capacidade de reconhecer nossas vozes internas, que às vezes atrapalham nosso comportamento e nos fazem agir de modo imaturo ou egoísta, na defensiva, a partir de medos, ou nos ajudam muito, fazendo com que nossas ações sejam um retrato da nossa melhor parte, o nosso eu mais autêntico que age a partir da intenção consciente de nos tornarmos pessoas melhores. Aprender a discernir entre essas vozes decidindo a qual dar ouvidos resulta em mudanças de comportamento. O desenvolvimento da Skill 5 torna isso cada vez mais claro, de modo que eventualmente, a voz dominante passa a ser aquela do seu Eu Superior.
No próximo texto do Blog, abordo a ferramenta de avaliação, o assessment das 21 habilidades (SQ21™)[5], e as possibilidades de sua aplicação em termos pessoais e profissionais, elaborando um pouco sobre que já se falou sobre inteligência espiritual dentro contexto de Gerenciamento de Projetos. Desde novembro de 2018, estou certificada como Spiritual Intelligence Coach, habilitada para interpretar os resultados da avaliação e auxiliar no desenvolvimento de qualquer conjunto das 21 Skills.
[1] Wigglesworth, Cindy. “SQ21: The Twenty-One Skills of Spiritual Intelligence”. New York: SelectBooks. p. 8. Em português (tradução livre): Inteligência Espiritual é “a capacidade de se comportar com sabedoria e compaixão, mantendo paz interior e exterior, independentemente da situação”.
[2] Idem, p. 8. Em português (tradução livre): Espiritualidade é “a necessidade inata do ser humano de estar conectado com alguma coisa maior do que ele mesmo, algo que seja considerado divino ou de nobreza excepcional”.
[3] Idem, p. 8. Em português (tradução livre): Religião é “um conjunto específico de crenças e práticas, normalmente baseadas em um texto sagrado e representado por uma comunidade de pessoas”.
[4] Tradução livre da Habilidade 5: Consciência do ego e do Eu Superior.
[5] ©2004 Conscious Pursuits, Inc. Licenciado para Deep Change, Inc. Todos os direitos reservados.
Texto publicado originalmente em 28 de dezembro de 2018 no Linked In.